quinta-feira, outubro 07, 2004


Quando adentrei nos corredores frios daquele lugar, era como se tivesse partido para uma viagem dentro de mim. Cada porta que se abria, algo de novo aparecia vindo em minha direção, mesmo sem eu chamar. As vidas perdidas, assim como as chances, o olhar amedrontado, olhando para o futuro, a certeza de que muito não se passou, ainda existe muito mais por vir. Um grito, uma risada, um apelo, tudo com a mesma importância nos olhos das pessoas já acostumadas com esta rotina. Corações surdos, sentimentos normais, mesmo em meio ao caos, um facho de esperança deveria ter. Se todos os valores fossem esquecidos, somente os materiais, o que restaria para todos nós? Migalhas de consciência sobre um ser que já fora humano e tratado como tal.
Ao passar na rua, a banda que toca insistentemente seus aparelhos não tem como parar para que a garotinha, ansiosa por tal espetáculo, possa ver. Talvez esta menininha retornasse para casa com lágrimas nos olhos por não ter conseguido findar seu anseio, se lembrando de como poderia ter sido bom, anos mais tarde. Entretanto, no meio da multidão, agora dos músicos, um em especial nota sua aflição e, saindo de sua formação, encontra no dorso desavisado uma ouvinte que por instantes abandonara a intenção, instantes tão ínfimos que ao perceber o som mais próximo, se vira já com felicidade estampada na face e acompanha as melodias, desta vez, ao lado dos músicos.
Será que não deveríamos ser este músico em especial, sempre atento aos objetivos que se espreitam nos olhares curiosos? A garotinha, aqui representada nos rostos quase esquecidos e maltratados pela vida, veio apenas nos ver. Saiu de sua pesada rotina, de seu cotidiano maçante e sem perspectiva, para tentar se aproximar do que lhe pode ser mais que excitante, mas sim um exemplo. Estamos nós correspondendo com a expectativa? Tratamos de um ser humano, ou do resto que sobrou dele? Não deveríamos ser pessoas comuns, mas únicos? E não somos? Por que a diferença no tratamento?
A foto uma vez vista de uma pessoa procurando alimento em meio ao lixo, nessas horas, não me sai da cabeça.
É ma vida cheia de opções e caminhos, mas que nem todos podem escolher e que nem todos podem passear!
Felipe